segunda-feira, 22 de junho de 2009

CONTO: EU SOU O AMOR


No jardim do REI GIGANTE havia muitas flores belas e perfumadas. Pássaros cantores completavam o encanto daquele lugar, com as suas vozes melodiosas, formando uma verdadeira orquestra sinfônica. Colibris de várias cores, com os seus beijos fecundos, sugavam o nécta das flores. e as borboletas garantiam um colorido multicor àquele bosque encantado.

Eram flores lindas semelhantes às estrelas. flores exuberantes e flores singelas, mas que, na mistura de seus perfumes umedecidos pelos pingos de orvalho, transportavam um pedacinho do céu para a terra.

Mas, um dia, o rei, que vivia nos seus confortáveis aposentos, resolveu dar uma volta nos jardins do castelo, encontrando-o repleto de pássaros, borboletas que faziam daquele lugar o seu habitat natural.

Porém, o rei, que era extremamente egoista, sentiu-se enciumado e mandou cercar de tela toda a extensão do seu jardim, expulsando os seus moradores, dizendo: - Isto tudo é meu e não vou dividí-lo com estes pássaros e borboletas. As flores, mandei plantá-las para o deleite dos meus olhos.

As flores ficaram tristes sem a presença e melodia dos pássaros, o beijos dos colibrís e o carinho das asas das borboletas. A primavera não mais veio sobre aquele jardim, o verão desapareceu, não trazendo o seu calor nem o encantamento do sol; o outono não deu mais frutos. Só o inverno prevaleceu e, com ele, a neve que cobria a relva com o seu manto branco e a geada, tudo destruía. Sem esquecer da chuva de granizo que atingia até o Palácio Real. Tudo ficou triste e insuportável.

O rei, não suportando mais aquela melancolia e a tristeza que foi tomando conta da sua vida, resolveu visitar o jardim na busca de qualquer alento.

Vendo a destruição total, buscou um sinal de vida e, num dos lugares mais afastado, viu uma única roseira com uma rosa que havia conseguido vencer as intempéries do mau tempo e do seu egoismo. Era uma rosa diferente. O rei, olhando para aquela roseira com sua rosa tão simples e pura que brotara no meio do nada, sentiu-se profundamente comovido. Achegando-se, curvou-se sobre aquela rosa e o seu coração, nesse momento, foi amolecendo. Pediu à rosa que não o deixasse, e ela abriu mais uma pétola num gesto de amor para com aquele rei, que, mesmo tendo sido tão egoista, fora tocado pela sua bondade. Afinal, ele não passava de um pobre infeliz, solitário. E o rei pensou: - Como tenho sido egoista! Agora eu sei porque a primavera não veio, o sol não deu o seu calor e o outono não deu os seus frutos. Vou tirar as telas e deixar que os pássaros e borboletas voltem a povoar o meu jardim em reconhecimento à fidelidade desta rosa que não me abandonou.

Ao amanhecer, o rei ouviu uma linda música e pensou: a primavera chegou! Mas era um pequeno curió que viera saudar a flor solitária que havia permanecido naquele jardim por amor àquele rei que se considerava gigante. E ele, que nunca havia observado a beleza do cantarolar dos pássaros, nem cheirado uma flor, nem percebido a ternura do beijo dos colibrís, sugando o nécta das flores, pois, até então, estivera cego, com os olhos voltados para as coisas materiais, começou a despertar para a subjetividade. Passou, diariamente, a ser atraído pelo canto do curió, vindo visitar a sua rosa.

O amor havia nascido no coração daquele homem. O tempo foi mudando a sua forma de vida. A suavidade do luar prateado, a relva que começava a brotar ofereciam-lhe uma doce magia no silêncio de cada canto. As orquídeas caprichosas começavam a desatar as suas pétalas para suavisar a aridez do coração daquele rei, que já não era o mesmo. E o rei, com o coração descompassado, resolveu declarar-se a sua rosa.

Pensou: - Vou perguntar por que só ela permaneceu ali. Vou dizer que ela me conquistou, eu a amo, não posso mais viver sem ela. Aquele momento, para o rei, foi como uma eternidade. Estava de alma aberta, pois a linguagem tem uma só pátria, o coração. Mas, ao aproximar-se do canteiro da sua roseira, ela havia desaparecido. Haviam brotado outras, de formas diversas e cores extraordinárias, mas não era a sua rosa. Para ele, ela era insubstituível. E o rei chorou de saudade. Sentiu-se pequeno, ninguém. apesar de o chamarem de Gigante. Porém, manteve viva a esperança de rever a sua rosa. Regava, diariamente, as outras roseiras, deliciava-se com o lindo cantarolar dos pássaros.

Passaram-se anos e anos, e o rei, já envelhecido, mas com o coração novo, via a vida com outros olhos. Certo dia, foi despertado pelo seu amiguinho, o curió, mas desta vez, o seu cantar era diferente. E o rei pensou:- Como seria bom se a minha rosa tivesse voltado. O vento, com as suas ondas sonoras, deve ter levado a mensagem até a sua rosa. E ele sentiu uma harmonia. um perfume diferente, Seguiu para o jardim e lá estava ela, tal qual a vira pela primeira vez. O seu coração disparou! Refazendo-se da maravilhosa surpresa, sentiu-se extasiado ao contemplá-la e, aproximando-se, a interrogou: - Por que você me abandonou? Ela respondeu: -Eu não lhe abandonei. Estive todos os dias com você, em cada rosa que você cuidou, você que não procurou me perceber. Como é o seu nome, perguntou. ela respondeu: - Chamo-me ROSA DE SAROM. Eu sou o amor. E o rei, ajoelhou-se diante daquela rosa, extremamente contagiado pelo amor que dela emanava.

A rosa então falou:-Sempre o amei, por isso permaneci ao seu lado quando todos o abandonaram. Vim agora levá-lo para mim. Você irá morar no meu Paraiso onde as ruas são de ouro e de cristal.

E, num abrir e fechar de olhos, ambos desapareceram num grande clarão amarelo, rumo ao firmamento infinito.

Os pássaros, que tudo haviam percebido, começaram a cantar, formando um verdadeiro coral, que, talvez os anjos tenham dado continuidade no céu, para recepcionar o servo e filho que chegava e que havia sido rei na terra.


Ninita Lucena

sábado, 20 de junho de 2009

CONTO EM PROVÉRBIOS

CONTOS EM PROVÉRBIOS

No livro Dicionário brasileiro de provérbios, locuções e ditos curiosos, de R Magalhães Júnior, citando Donato, (p.8) afirma que provérbios é proclamar vivências. Ditados e ditos são, de fato o espírito e o recurso da sabedoria popular. Revela a sabedoria, a cautela, à experiência, descobre a mágoa, insinua a malícia, acentua o recato. E em tudo é sumário e doméstico, empregando conceitos breves e linguagem corrente.
Em memória a minha mãe, Noemia Lucena, cujas recordações me fazem lembrar, em cada frase sua, um provérbio passo a contextualizar alguns dos seus provérbios, construindo esta estória de Zé e Zefa, um casal cuja vida nos lembra a história de muitos casais.
“Quem vê a barba do seu vizinho arder põe a sua de molho, porém, gato escaldado de água fria tem medo”. Zé chegou na sua casa da forma como falava a sua tia Zê, “ com as quatro letras do alfabeto: T-tinindo, X-xispando, V-voando e Z-zunindo”. Bateu na mulher e na mulher e nos filhos, quebrou tudo dentro de casa e ainda falou: Zefa, eu estou lhe batendo porque você só quer viver “batendo de pernas no mundo, pois a mulher e a galinha não se deixa passear, a galinha o bicho come e a mulher dá o que falar”. Zefa chorou, berrou, esperneou e respondeu em represália: “cobra que não anda não engole sapo”. Zé, ainda mais indignado, bateu dobrado em Zefa e disse: “quem come do meu pirão prova do meu cinturão”. Zefa desmaiou e adormeceu.
Como “o amanhã é outro dia”, Zefa ao amanhecer já havia esquecido tudo. Afinal, segundo o adágio popular, “pancada de amor não dói e se dói me dá prazer”. Zefa era uma autêntica mosoquista. Vivia com Zé há quinze anos e já havia se acostumado com as suas bebedeiras. Pancadarias e gritos. Na ausência de Zé ela falava:” Não tenho medo de homem nem do ronco que ele dá, besouro também ronca vai se ver e mangangá. Não tenho medo de homem nem do ronco que ele tem, besouro também ronca vai se ver não é ninguém”. Mas quando Zé chegava bêbado, Zefa “tremia mais do que vara verde” e dizia: Vou me calar, pois,”bico calado não entra mosquito e gato escaldado de água fria tem medo”.
Zé e Zefa tinham dois filhos que, apesar dos desajustes da família, eles acreditavam que “trabalho de menino é pouco mas quem o perde é louco”. Por isto os ensinou a participar dos trabalhos, ajudando em casa e a Zé na oficina. Isto quando Zé não estava bêbado, pois quando não bebia era um carpinteiro de mão cheia. Uma das mágoas de Zefa era ter um marido carpinteiro e não ter uma cama para dormir. Desabafava as suas mágoas dizendo: “Casa de ferreiro, espeto de pau”. Zé respondia: “Tempo é ouro e ouro não se perde, não trabalho de graça pois que trabalha de graça é relógio e besta é caju que nasce de fundo para cima”.
Só faço as coisas por dinheiro.
Fora da bebedeira, Zé era um homem de poucos amigos, mas quando bebia apareciam inúmeros amigos de farra. Ele dizia-se rico e pagava bebida para todos. “Todo Bêbado é rico e valente”. O seu maior amigo era um velho vira-latas chamado Banzo. Ele dizia: “Mas vale um cachorro amigo do que um amigo cachorro”. Banzo demonstrava o seu amor e reconhecimento lambendo-lhe às mãos. Com os amigos, decepcionara-se desde o dia em que,tendo tomado um porre daqueles, eles foram para casa deixando-o abandonado com a cara enterrada no vômito. Apesar de Zefa sempre dizer: Zé, não se acompanhe desses bêbados, pois dize-me com quem andas e eu te direi quem és. Para que ele entendesse o que a mulher dizia, foi preciso passar por essa decepção. Passou a noite na sarjeta e quando acordou no outro dia, pensou: “O mundo inteiro não vale o meu lar”, indo de imediato para o aconchego da esposa. Arrependido, ressacado, cheirando a vômito e extremamente frágil, um verdadeiro trapo humano no fundo do poço, Zé estava aberto a ouvir a esposa, ou talvez, sem forças para reagir. Foi esta a oportunidade de Zefa desabafar, falar tudo o que sentia. Disse: - “Quem semeia vento colhe tempestade”, bem feito para ver se assim você acorda, homem de Deus. Zé calado estava calado ficava, mas “quem cala consente”. Às vezes o nosso silêncio fala mais alto do que mil palavras. O deserto fala ao nosso coração. Zé estava vivendo o seu deserto interior... Zefa ainda jogou na cara que “filho de gato é gatinho” e que ele talvez tivesse herdado do pai aquele maldito vício – o alcoolismo. Lembrou então dos conselhos da sua mãe que dizia: Zefa, não casa com o Zé! Ele pode puxar ao pai. Mas como “moça quando que casar, só não casa com carrapato porque não qual é o macho”. Zefa sempre argumentava que, quando casasse, Zé mudaria. “A esperança é a última que more”. Zefa casou e quebrou a cara. Caiu “no conto do vigário”, isto é, nas promessas do Zé. Casamento com festa, um monte de testemunhas e tudo mais que toda noiva deseja. Logo começaram as lutas e Zefa lembrava sua mãe e de uma frase que ouvira um dia: ”Se casamento fosse bom não precisava de testemunha”. Existem, porém, casamentos onde os dois são “duas almas em um só corpo”, o que não foi o caso de Zefa. Faltou vontade e coragem para Zefa acabar o casamento, seguindo as orientações da mãe. Zefa agiu apenas pelo coração e este a traiu. Afinal “se conselho fosse bom não se dava, se vendia”.
Para uma coisa serviu o desabafo de Zefa. Zé não mais quis sair para beber com os companheiros de farra. Bebia sozinho. Quando Zefa o aconselhava a parar de beber, ele dizia cantarolando: “Eu bebo sim e estou vivendo, tem gente que não bebe e está morrendo”. Mas com Zé isto não ocorreu, pois o seu corpo definhava, o fígado estava comprometido, os valores morais abalados e o espírito enfraquecido. O seu rosto era o espelho da sua alma doente. As pessoas sem sentimentos, quando o viam, diziam: “Lá vem o alambique”. Bebe mais do que alambique.
Certo dia, Zé teve uma crise de cirrose hepática, doença que contraíra de tanto beber, indo parar no hospital. De lá não mais voltou para o seu lar, para sua família. “Bateu das botas e foi morar na Cidade de Pés Juntos”.
E Zeca, sozinha com os dois filhos, “chorou umas poucas lágrimas de crocodilo, tocou o barco para frente e deu a volta por cima”. Com pouco tempo arranjou um emprego “dando uma guinada de 180 graus em sua vida”. Dizia: “É melhor estar só do que mal acompanhada”. Zé e os problemas com os quais passou haviam ficado lá no passado.
Zefa, após algum tempo, arranjou um novo casamento com um coroa cheio da grana que morria de amores por ela. Quando alguém falava do seu passado, ela dizia: “Se algum dia eu fui pobre já não me lembro mais” e as pessoas respondiam: “morrem uns para dar vida a outros”.
Zefa, no seu novo lar, tinha a vida que pedira a Deus e razões de sobra para que tornasse o seu passado enterrado, juntamente com o Zé, fazendo, assim, parte do mundo dos mortos.

Ninita Lucena